Festival Amanhecer Contra a Redução da Idade Penal discute a criminalização da juventude com criatividade, cultura popular e direito à cidade

Notícias 05/11/2015

Cultura popular, celebração, luta, conscientização e ocupação da cidade foram as marcas do Festival Amanhecer Contra a Redução da Idade Penal, realizado no sábado, dia 17 de outubro, no Centro de Florianópolis.

Em praça pública, gratuito e repleto de atrações e debates, o evento, que durou todo o dia de sábado, foi organizado por movimentos sociais que discutem a criminalização da pobreza e da juventude negra. 

O Vereador Lino Peres prestigiou o evento, que promoveu shows e apresentações culturais, ocupando a cidade e os locais públicos, algo que tem sido raro na cidade de Florianópolis, onde temos visto episódios de repressão do poder público contra as expressões artísticas e políticas.

O Festival é inspirado em outras edições que foram feitas no Rio de Janeiro e na periferia de São Paulo. Depois de conseguir 13 mil reais em doações através de uma benfeitoria divulgada pelas redes sociais, o movimento pintou a cidade de amarelo e roxo para fazer a “juventude voar”, como as pipas que colorem os céus das favelas.

Vivemos em um país que é o 6º em assassinatos de crianças e adolescentes: foram 11 mil mortes registradas em 2012, segundo relatório Escondido em Plena Luz do Dia do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Batemos a espantosa média de 30 crianças mortas ao dia, e ficamos abaixo apenas de países como Honduras, que tem as cidades mais violentas do mundo, Guatemala, Venezuela e Haiti, assolado por uma guerra civil.

Mas não estamos discutindo com o mesmo ardor, pelo menos não no Congresso Nacional, como diminuir esse genocídio; estamos prestes a vê-lo agravado por uma decisão irresponsável, como a aprovação na Câmara dos Deputados da PEC da redução da maioridade penal para casos de crimes considerados hediondos.

O mandato do vereador Lino Peres apoiou de todas as formas o movimento Amanhecer contra a Redução e a realização do festival, que propõe outra forma de se combater a violência: políticas públicas, como acesso ao emprego e geração de renda, educação com acesso pleno e de qualidade principalmente à rede pública, com cultura acessível e crítica, lazer e debate permanente nas comunidades sobre suas condições de vida e auto-organização. Não queremos que os jovens e crianças da periferia sejam duplamente punidos: com a falta de políticas públicas e com a criminalização violenta e seletiva.

O festival privilegiou expressões culturais da periferia, propiciando recreação infantil, oficinas diversas, como skate e grafite, além de maracatu, roda de samba, batalha de MC´s,  que ocorre todas as quintas na Praça da Alfândega, o grupo de rap crítico Inquérito e o funk dos MC´s Mc Leonardo e Mc Junior. Também houve espaço aberto para manifestação de opiniões, debate e avaliação da luta contra a redução.

É mito que haja impunidade em relação aos adolescentes que cometem atos infracionais no Brasil. O Estatuto da Criança e do Adolescente, que completou 25 anos neste ano, prevê até nove anos de medidas socioeducativas e a responsabilização penal acontece desde os 12 anos. Isto significa que a redução penal oficializará e consolidará esta situação, quando deveria construir as condições sócio-institucionais para evitar esta redução na prática.

O ECA é um dos documentos mais avançados do mundo, mas a chamada bancada da bala está rasgando a Constituição e jogando no lixo esses direitos. Há uma corrente de desinformação que busca disseminar o engodo de que o Brasil é um dos poucos países que possui a idade penal fixada em 18 anos. Não é verdade. Em 70% dos países, a idade penal é 18 anos. Inclusive, nos 54 países que a diminuíram, não houve nenhuma melhora nos índices de violência, ambos dados de pesquisas da UNICEF .

Veja mais dados do levantamento de 18 motivos para embasar a posição contra a redução da Secretaria de Direitos Humanos:  

Apenas 13% dos adolescentes que foram apreendidos em 2012 tinham cometidos crimes contra pessoas no Brasil, a maior parte teria cometido atos infracionais relacionados a roubos e, em segundo lugar, vem o envolvimento com o tráfico de drogas, segundo levantamento da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.  Grande parte dos processos infracionais que tramitam na Vara da Infância de Florianópolis é relacionada ao tráfico de drogas.

Nesses casos, normalmente, a única testemunha é o policial que fez a abordagem. E isso é problemático, sob vários aspectos. Vários adolescentes sofrem algum tipo de perseguição por parte da polícia, mas isso não altera o fato de que o depoimento do policial vai ser considerado como de um agente público, que teria supostamente fé pública, contra o do adolescente. Verificando que a seleção discriminatória começa na abordagem policial, os direitos das crianças e dos adolescentes negros e da periferia continuarão a ser desrespeitados enquanto o modelo militarizado for o adotado como medida predominante de segurança pública no país.

Olhando para o contexto de Florianópolis, que também tem periferia, mesmo que nossos governos, em conluio com a mídia e o capital imobiliário, queiram esconder, vemos que: no norte da Ilha, os adolescentes enquadrados, que acabam no antigo São Lucas, hoje Centro de Acolhimento Socioeducativo, não vêm de Jurerê Internacional, mas são apreendidos na Favela do Siri; já no Sul da Ilha, eles vêm da Tapera. No Centro, eles não são moradores dos condomínios da Beira-Mar Norte, mas vêm do Morro do Horácio. Eles vêm de todos os lugares que não estão nos mapas turísticos de Florianópolis. Mas o fato é que também há consumo e tráfico de drogas nas áreas nobres da “Ilha da Magia”, os quais comumente não chegam à polícia nem viram processo judicial.

Existe um recorte de gênero, raça, classe e socioespacial, tanto no sistema penal quanto no sistema chamado socioeducativo que reproduz as desigualdades do primeiro. Mas a diferença mais brutal, entre os dois sistemas, é que, no sistema penal para adultos, a reincidência, o retorno para a detenção, chega a 70% dos casos, enquanto a reincidência no socioeducativo é radicalmente inferior: 20%. O sistema socioeducativo está muito longe de ser o ideal e muito longe do que está previsto pela Lei, no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

A certeza que temos é que o sistema prisional atual não representa uma instituição que promova a ressocialização dos sujeitos. Cabe responsabilizar o Estado pelo cumprimento dos deveres que tem com a juventude e não isolá-la no “cárcere de massas”, uma das invenções mais cruéis do sistema capitalista.

Também não podemos esquecer que o recrudescimento da política criminal nunca reduziu a criminalidade. A Lei de Crimes Hediondos, que é contemporânea ao Estatuto da Criança e do Adolescente, não reduziu a violência, mesmo prevendo penas mais duras. O que aconteceu é que hoje o Brasil possui uma população carcerária de 716 mil pessoas e se tornou a terceira nação em termos de população em regime fechado do mundo.

Os adolescentes não são responsáveis pela parcela mais expressiva de crimes contra a pessoa; na verdade, são a maioria das vítimas, segundo o Mapa da Violência 2015 . Inclusive, as regiões onde há mais casos de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas são também os locais com maior incidência de violações de direitos contra esta população.

A proposta de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos está engajada em um projeto de privatização do sistema carcerário, no intuito de torná-lo ainda mais lucrativo, como já acontece nos Estados Unidos, país com a maior população encarcerada do mundo, segundo estudo do Ministério da Justiça referentes ao primeiro semestre de 2014 . Grande parte das atividades desenvolvidas nas penitenciárias já é realizada por empresas terceirizadas, além do avanço das experiências de administração privada de penitenciárias, como Minas Gerais, durante o governo de Aécio Neves. O esforço do governo estadual de São Paulo em esconder os dados do sistema carcerário também está ligado a este projeto. Para saber mais sobre o assunto, indicamos o documentário “Quanto mais presos, maior o lucro” da Agência Pública.

A redução, amplamente apoiada pela população e pela mídia, que continua tratando setores marginalizados da população como inimigos públicos, é uma proposta ilusória que vende a ideia de que é fácil resolver o problema da violência, bastando apenas  mais repressão e criminalizando ainda mais setores excluídos. O Estado se exime de garantir os direitos básicos, mas quer punir com mão de ferro. Hoje, o Brasil não cumpre nem uma pequena parte do que está previsto sobre direitos no ECA.

Todo o movimento que acontece hoje pela redução da maioridade penal não se compara em dimensão a movimentos que pleiteiam educação, saúde e assistência social. No entanto, parece que o Estado penal é predominante, assim como seus próceres, que propagam as medidas repressivas tanto na forma policial como na forma penal. O Estado penal dá as caras quando o social vai embora.​

O mandato do vereador Lino Peres continuará apoiando toda iniciativa que vise ampliar as políticas sociais e públicas de combate à pobreza, pelo pleno emprego e geração de renda, pelo aumento da rede pública de educação, de preferência de tempo integral, que acolha todo jovem, principalmente das periferias e área carentes, promoção da cultura, lazer e esporte, mas de forma colaborativa e associativa que desenvolva a cidadania, etc. Para isto, tem acompanhado várias ações institucionais ou pelos movimentos sociais pela ampliação dos direitos sociais e urbanos para a maioria da população.


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