Plano Diretor não assegura preservação de áreas verdes

Notícias 06/10/2014

Por Silvia Agostini Pereira, jornalista

Nas fotos, o projeto com as emendas; a verticalização no Continente; a área do Pacuca

A sanção da Lei Municipal nº 482/2014, referente ao Plano Diretor de Florianópolis, pela Prefeitura Municipal, em janeiro deste ano, deveria ser um motivo de comemoração para os moradores, em especial para os que organizam debates e lutas desde 2005 em torno do que é melhor para a cidade e seus moradores, de como utilizar de maneira sustentável o solo do município com o terceiro melhor Índice de Desenvolvimento Humano do país.

Organizações como a União Florianopolitana de Entidades Comunitárias (Ufeco), o Fórum da Cidade, e mandatos como o do vereador Lino Peres, que acompanharam e fiscalizaram a criação do Plano, não foram ouvidos pela maioria dos vereadores e pela prefeitura. Assim, a comemoração ficou a cargo de poucos especuladores da construção civil, que lucram cada dia mais com os altos preços de imóveis na cidade. Quem lutou para que a proposta atendesse de fato às necessidades da maioria da população ainda não consegue visualizar um Plano Diretor coerente e precisa, dia a dia, desvendar a lei, suas diretrizes e mapas, já que o projeto, além dos problemas nascidos no próprio Executivo, foi aprovado na Câmara de Vereadores contendo 305 emendas não discutidas pela população.

 

Luís Marques da Silveira, arquiteto e professor no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), questiona se esse conjunto de dispositivos e demarcações, que foi o resultado final, pode ser entendido como um Plano Diretor. Para ele, um Plano Diretor deve ser um documento esclarecedor, acessível à maioria dos habitantes da cidade, e deve educar o cidadão em relação às melhores práticas para que se vislumbrem outras possibilidades.

O Plano deveria, avalia ele, assegurar a qualidade do espaço urbano pelo tipo de relações desejáveis a serem geradas, seja no que diz respeito à forma e à dimensão dos prédios ou quanto ao próprio desenho do espaço público e semipúblico. Segundo Marques, é preciso que o planejamento seja pensado em conjunto e não de maneira que a verticalização, por exemplo, seja implantada a todo o custo e sobre as áreas verdes, que diminuem a cada dia.

Paulo Rizzo, arquiteto, doutor em geografia e professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFSC, diz que o Plano Diretor de Florianópolis não passou de um plano formal, sem planejamento, que condiciona a urbanização à revelia da Lei Federal nº6766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, e da Lei Orgânica Municipal.

O vereador Lino Peres reforça essa análise, destacando que, mesmo com a aprovação do Plano Diretor, a Câmara de Vereador manteve a prática de nomear ruas - atribuição que, defende Lino, deveria ser do Executivo – em loteamentos irregulares e clandestinos, sem registro na prefeitura, muitos deles ocupando áreas de preservação permanente e sem infra-estrutura adequada.

De acordo com o Estatuto das Cidades (Lei Federal nº10.257/2001), o Plano Diretor deve ser atualizado a cada dez anos. O Plano Diretor de Florianópolis prevê uma população de até 750 mil pessoas até 2030, quase o dobro da atual, que é de 420 mil. Também prevê aumento significativo dos gabaritos (andares dos prédios), especialmente no Continente, o que implica aumento do adensamento (número de pessoas em determinada área), mas não prevê o incremento de áreas verdes, equipamentos públicos suficientes, como implantação de postos de saúde, escolas, creches, redes de água e esgoto e eletricidade para a população.

No que se refere às áreas verdes, Marques diz que a Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU) propôs como índice mínimo para áreas verdes públicas destinadas à recreação o índice de 15 m2/habitante. Em 2010 foram feitos alguns levantamentos em regiões da Ilha, que contabilizaram índices bem abaixo do indicado: 1,17m²/hab na Trindade, 1,5m²/hab no bairro Itacorubi, 0,92m²/hab no Córrego Grande, 0,0m²/hab no Pantanal e 154m²/hab no bairro Santa Mônica, em função do Parque Ecológico do Córrego Grande.

O vereador Lino Peres também destaca que, assim como no bairro Pantanal, a parte continental do município, principalmente o setor norte (entre a BR-282 e a Baía Norte), tem hoje um índice abaixo de 0,5m²/hab, tendendo a cair drasticamente com a verticalização permitida pelo novo Plano Diretor. “Não foram previstas novas áreas de lazer nessa região; ao contrário, diminuíram, como no terreno da Marinha, onde  serão permitidos prédios de até 12 pavimentos, privatizando um terreno que é da União, o que contradiz uma diretriz do governo federal, da função social dos terrenos da União, para habitação ou espaços públicos”, diz o vereador.

Verticalização irá aumentar no Continente

 

 

Referindo-se às áreas reservadas para equipamentos de saúde, por exemplo, Rizzo aponta que houve um processo de ampliação dessas áreas sem articulação com o Plano Diretor, assim como para escolas, já que as escolas primárias devem possibilitar o acesso dos alunos a pé ao local, o que nem sempre acontece. Quanto à capacidade de redes de água, saneamento e iluminação, a população de Florianópolis não tem tido boas experiências, principalmente no verão, e pelo novo Plano esses problemas não serão resolvidos tão cedo, especialmente em regiões como o Centro, Norte da Ilha, Saco dos Limões e Pantanal, onde está previsto maior adensamento.

Colcha de retalhos

O geógrafo Aracídio de Freitas Barbosa Neto, o Cid, que é membro da organização não-governamental Associação Coletivo UC da Ilha (atua na defesa das Unidades de Conservação da Capital) e militante na discussão do Plano Diretor desde 2006, diz que a questão ambiental foi tratada com bastante atenção pelas comunidades que vinham se envolvendo no processo de propostas ao Plano Diretor. No entanto, a Prefeitura, ainda sob o governo de Dário Berger, rompeu com os trabalhos desenvolvidos pelas comunidades e com o processo participativo que vinha ocorrendo e passou a fazer outro Plano, favorecendo a lógica da expansão, adensamento e especulação imobiliária, o que não mudou na atual gestão. Segundo ele, a Prefeitura “não respeitou as diretrizes comunitárias, sobretudo aquelas ligadas a áreas de preservação, de unidades de conservação, às áreas verdes de lazer, aos espaços públicos de uso comum”.

Nesse sentido, o vereador Lino Peres também lembra que o próprio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) constatou que várias áreas de preservação permanente e limitada (permitida a ocupação até 10% da área) foram transformadas em áreas residenciais ou comerciais, ferindo a legislação federal de preservação ambiental.

Apesar de Florianópolis abrigar mais de 100 praias em seu território, a população é carente de áreas de lazer com equipamentos públicos suficientes, pois quando chega o inverno e o frio, as opções de lazer praticamente inexistem. Na Planície do Campeche, a comunidade luta há 30 anos pela instalação do Parque Cultural do Campeche, o Pacuca (na foto), onde funcionou o Campo de Aviação da Capital.

Na Lagoa da Conceição, há 20 anos a comunidade também reivindica a instalação de um Parque Urbano no bairro. Porém, o professor Luís Marques alerta que essas áreas não têm sido suficientemente integradas no Plano Diretor do Executivo Municipal. Algumas delas, onde anteriormente estavam previstas áreas de lazer, tiveram o seu zoneamento alterado para a permissão de mais construções, principalmente em benefício do setor hoteleiro ou avançando sobre áreas de preservação permanente. De acordo com Marques, parques municipais como o de Coqueiros e o Parque da Luz são fruto do trabalho consciente, da dedicação de algumas pessoas em anos de empenho e comprometimento.

 

Ataíde Silva, vice-presidente da Associação de Moradores do Campeche, diz que é preciso compreender que os parques e as áreas de lazer, pela função que exercem, implicam saúde preventiva para a população. Para Ataíde, somente o Pacuca não supre a necessidade da população de toda a Planície do Campeche, mas ele acredita que a criação do Parque já seria um “divisor de águas” para a cidade e o bairro. Ataíde diz que há várias AVLs (Áreas Verdes de Lazer) na Ilha e na Planície do Campeche, mas a prefeitura tem que tomar posse dessas áreas e fazer com virem espaços públicos com os equipamentos necessários, como bancos, mesas e brinquedos para as crianças: “Nós temos no Campeche 40 áreas desse tipo, para se ter ideia, nós temos aqui no Campeche áreas de 30 a 40 mil metros quadrados que estão livres ainda, mas falta a prefeitura tomar uma decisão sobre isso, especialmente porque é uma AVL”, diz, e denuncia que hoje essas áreas são alvos de parcelamento para lotes.

O jornalista Jeffrey Hoff, residente na Lagoa da Conceição há 20 anos e membro da Associação de Moradores, também reclama que a Lagoa não tem um lugar público de lazer. As opções dos moradores se resumem a caminhar na beira-mar, muitas vezes enfrentando um forte vento, e a uma pracinha em más condições onde, no fim de semana, ocorrem feiras que tomam praticamente todo o local.

A área chamada Vassourão, um campo aberto conhecido como local de pouso de vôo livre, onde a comunidade reivindica a construção de um parque público, está sendo ocupada por dois loteamentos, o que vai levar ao fim a possibilidade de uma atividade de lazer, pousar de asa delta. “As pessoas gostariam de ter visto a prefeitura desapropriar aquele terreno, mas isso não aconteceu”, desabafa. “Qualquer bairro, hoje em dia, tem que ter essas coisas, um lugar para as crianças, para as pessoas sentarem e ler, para jogar bola, para andar de skate, que hoje é um esporte praticado no mundo inteiro. Acho que isso é imprescindível num bairro e a Lagoa não tem. Tem vários campos particulares, mas tem que ter um campo central e público”. Essa foi uma diretriz aprovada na audiência pública realizada no bairro, mas não foi atendida. Jeffrey diz que, mesmo que o Plano Diretor tenha tratado de alguns conceitos importantes, após tantas emendas (305) aprovadas, Florianópolis não ganhou um Plano Diretor, e sim uma colcha de retalhos.


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