Em memória de meu pai no Dia do Ferroviário

Notícias 30/04/2022

O Dia do Ferroviário traz recordações de meu pai, Juracy Peres, nascido em Rio Grande em 1923. Ele foi ferroviário e soldador, categoria que, principalmente com os portuários, era o setor dos trabalhadores mais mobilizados da esfera metalúrgica estatal até os anos 1960. Com o golpe empresarial-militar, sofreram intervenção em suas instalações ao longo dos anos 1970. Hoje se marca a data porque, em 30 de abril de 1854, inaugurou-se a primeira linha ferroviária do Brasil.

Apesar de ser metalúrgico – e muito antes de ter surgido o metalúrgico Lula no ABC de São Paulo com a indústria automobilística como pilar do modelo econômico do regime militar – meu pai só teve casa própria a partir dos 42 anos em Rio Grande. Antes vivíamos em um casebre de madeira em terreno na periferia naquela cidade. Aos 57 anos e já aposentado, meu pai, tendo vendido a casa para morar em Porto Alegre, adquiriu outra da COHAB no Jardim Eldorado, na periferia da Palhoça. Gostava de ler, de música clássica – em uma noite gelada, em viagem a Bagé, ficou sob a janela de uma esquina escutando um musicista tocar Verdi, como gostava de contar – pegava junto nas tarefas de casa e era um crítico mordaz da igreja e do sistema político, sendo admirador de Leonel Brizola. Com o tempo, o convenci a ser simpatizante do PT. 

Esta pequena biografia de meu velho e de como ele me inspirou em meus próprios gostos e caminhos mostra como vivia a classe trabalhadora nos anos 1960/70, quando foi desmontado e depois privatizado o sistema ferroviário brasileiro, que até então importava máquinas a diesel da Hungria e dos países do leste europeu. Com o golpe empresarial-militar, a exportação foi interrompida para introduzir no Brasil as multinacionais de veículos automotores de carga, que vão substituir os trens, e de passeio particular, o que promoveu a ampliação sem precedentes do sistema viário nacional de estradas,  com o desestímulo da carga movida em ferrovias e por sistema marítimo de cabotagem.

Por isso, neste 30 de Abril, sempre é bom lembrar, para as gerações que nasceram durante e depois do regime empresarial-militar, que o sistema ferroviário de carga e passageiros foi um projeto de desenvolvimento nacional estruturante no país, cuja existência ainda sustenta o sistema de carga e distribuição na maioria dos países europeus. Os governos civis pós-ditadura impulsionaram a rede rodoviária regional no país, assim como a rede rodoviarista intraurbana, cujo modelo é impedimento hoje para um sistema de mobilidade urbana consistente em função da fragmentação viária urbana e da captura de espaços que poderiam ser públicos, agora dominados pelos veículos particulares e coletivos privados nas cidades brasileiras.  Fernando Henrique Cardoso foi o principal mentor da privatização das ferrovias. O que restou do sistema ferroviário, agora privatizado, é usado para facilitar a exportação de commodities, matérias-primas, mas sob o controle de grandes produtores, que recuperaram a rede pública de escoamento de mercadorias, sendo que não houve mais a preocupação com o transporte de passageiros.

Citar os trabalhadores ferroviários é voltar a planejar a recuperação do sistema público de transporte que existiu no país e que foi pioneiro em Santa Catarina, junto ao sistema pluvial de transporte, desde a colonização.

Hoje, a luta dessa categoria operária estatal é lembrada na que fazem os trabalhadores dos Correios e dos Portos, patrimônio nacional público que está sendo desmontado e privatizado, assim como o desmantelamento de órgãos públicos e a precarização de seus e suas trabalhadoras.

Salve a memória operária dos ferroviários e portuários, junto aos gráficos e outras categorias que iniciaram no Brasil a luta operária por seus direitos na incipiente modernização do país!

Salve o Dia do Ferroviário e dos que tanto nos orgulharam no passado!

Na foto, de 1982, no Rio de Janeiro, meu pai, eu, minhã mãe, Arzelinda (dona Lóca), e minha prima Ondina

 


Receba nosso Boletim EletrônicoReceba nosso Boletim Eletrônico: