ANÁLISE TÉCNICA: PROPOSTA PRETENDE LIBERAR MUDANÇAS NO PLANO DIRETOR A QUALQUER TEMPO

Notícias 11/12/2018

O vereador Miltinho Barcelos (DEM) retirou de discussão, na sessão da Câmara Municipal de Florianópolis do dia 11 de dezembro, a Emenda à Lei Orgânica 90/2018, de sua autoria, que pretende liberar para qualquer período a apresentação de alterações ao Plano Diretor. Hoje, o tempo para mudanças é do início de fevereiro a 30 de abril.

A proposta é um retrocesso enorme: quem é da área, e/ou acompanha o processo do Plano Diretor, sabe que uma séria política urbana se garante com o disciplinamento de um período para a entrada ou protocolo de mudanças, que serão analisados em audiências públicas ou outros mecanismos participativos da população e órgãos competentes. O tempo para alterações no PD é restritiva por diversos motivos, entre eles evitar a desarticulação de uma visão maior de planejamento da cidade, objetivo maior do próprio PD. A Câmara Municipal não é planejadora urbana e não pode ter essa prerrogativa.

Entidades e membros populares do Conselho da Cidade estavam presentes na sessão, demonstrando a preocupação pública. Uma Comissão foi criada pelo Conselho para analisar a proposição, e agora esperamos que o autor respeite o tempo de elaboração de um parecer antes de retornar a proposta ao plenário da Câmara. O vereador Prof. Lino Peres, arquiteto por formação, fez uma análise técnica da proposta.

O argumento do autor é:

“Não há justificativa aceitável que alterações relevantes à garantia do controle e adequações do ordenamento urbano, mesmo que mais restritivas, fiquem à mercê de um prazo específico para que possam ser apreciadas. A população não pode ficar refém de uma legislação arcaica com prazos que nada contribuem para uma política séria da urbe. O Plano Diretor (...) deve, obrigatoriamente, ser dinâmico permitindo a prevalência de um bom projeto urbano” .

O que diz o artigo 61 da Lei Orgânica do Município:

“Os projetos de lei complementar que dispuserem sobre alterações menos restritivas aos Planos Diretores de uso e ocupação do solo do Município só poderão ter o devido processo legislativo iniciado durante os meses de fevereiro a abril. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 16/2006)”.

A Lei do Plano Diretor é uma Lei maior que orienta o planejamento e desenvolvimento da cidade. Como as alterações no PD são interdependentes, necessitam de estudos prévios e articulados, pois uma mudança afeta a outra, o que exige que se concentrem em um período para discussão conjunta das mudanças; daí que se justifica a permanência e até a maior restrição do atual período de fevereiro a abril. As alterações pontuais dificultariam um diagnóstico global e a avaliação da complexa capacidade de suporte da cidade.  

Ao contrário do que alega o vereador Miltinho, autor da proposta de emenda 90/2018 à LOM, uma política séria da urbe, como assinala, se garante com o disciplinamento de um período para a entrada ou protocolo de mudanças, que serão analisadas no outro período com a promoção de audiências públicas ou outro mecanismo participativo da população. A avaliação de mudanças deve ser feito com calma, para que se realizem estudos que são necessários ou que vierem a ser demandados pela Câmara municipal, por órgãos de planejamento ou pela sociedade organizada.

Aqueles que prezam pela transparência e pela participação popular com certeza entenderão a relevância da restrição colocada na Lei Orgânica.

ESPECULAÇÃO

Ao contrário do que pensa o autor da proposta, exatamente porque “O Plano Diretor (...) deve, obrigatoriamente, ser dinâmico permitindo a prevalência de um bom projeto urbano” é que se deve manter o prazo, para que se possa organizar de forma integrada as alterações. A dinamicidade desejada pelo autor poderão se transformar em mudanças a qualquer tempo e sem organicidade, e tornarem-se desarticuladas de uma visão maior de planejamento.

Ou podem ser pontuais e sujeitas a interesses específicos ou particulares de natureza especulativa, voltados a interesses econômicos setoriais em detrimento do interesse público ou coletivo. Isto ocorreu antes da inserção do prazo de fevereiro a abril, quando ocorreram alterações polêmicas e de alto impacto na cidade sem promoção de audiências públicas ou intempestivas e sem o devido debate com a sociedade, especificamente nos crimes levantados pela Operação Moeda Verde, em 2007.

A posição do autor reforça nossa tese, e ainda nos faz questionar se o legislativo deveria ter a possibilidade de alterações em um tipo de lei tão definidora para cidade, e que requer estudos técnicos competentes, como o Plano Diretor. Planejamento urbano não deveria ficar a cargo somente para o órgão estruturado para isso, que é o IPUF?

Neste sentido, a proposta do vereador Milton Barcelos retrocede à situação anterior e às suas vicissitudes já constatadas. Deveria-se aperfeiçoar a restrição do prazo ou criar condições mais ágeis de alteração de uso do solo, além de criar mecanismos de quórum de votação que evitem ou facilitem alterações do Plano Diretor. Por exemplo, subir de maioria simples para 2/3 ou ¾ para que se impeça a pressão ou influência de grupos de interesse principalmente econômico sobre uma região ou área da cidade. A experiência do Plano Diretor de São Paulo foi nesta direção: tem prazo definido para alterações do PD e exige quórum elevado para esta mudança.  É uma resolução inteligente para quem está preocupado com a proteção da cidade para os cidadãos.

Destacamos que o Conselho da Cidade, em reunião no dia 10 de dezembro, criou um Comitê que estudará os impactos desta medida de eliminação do prazo de fevereiro a abril para alterações no PD na LOM. Segundo temos notícia, houve grande interesse das entidades em participar deste Comitê, provavelmente mais de dez entidades participarão, ainda faltando decidir os representantes do poder público. O coordenador do Comitê será o Sinduscon, e a relatoria será da Ufeco. Outras entidades que farão parte são o Floripamanhã, Icom, Observatório Social, Instituto dos Advogados, Amosad, CDL, entre outros.

O estabelecimento de um prazo na Câmara Municipal para se apresentar alterações ao Plano Diretor foi uma conquista, e sua alteração deveria ser discutida com a sociedade. A mudança da Lei Orgânica do Município (LOM) afeta diretamente a dinâmica de funcionamento do Conselho da Cidade, que tem dinâmica própria de funcionamento, com a organização de Comitês ao longo do ano a partir das propostas apresentadas de alteração do PD até o final de abril. A eliminação de um prazo para mudança no PD afeta o próprio processo participativo da sociedade, que fica sem parâmetro de tempo para se organizar. As mudanças do PD a qualquer tempo fragmentam a mobilização social e colocam a sociedade refém das pautas da Câmara Municipal.

 


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