Mobilidade urbana - da mera retórica para uma proposta concreta de integração metropolitana

Análises 23/02/2022

Muito se ouve falar da “integração metropolitana” quando o assunto é mobilidade urbana. É um bordão, como “desenvolvimento sustentável”. Funcionam como expressões mágicas que, ditas, eximem quem diz de explicar o que realmente pensa ou vai fazer. É com essa crítica que participei terça-feira (22) da Audiência Pública sobre o sistema viário metropolitano, promovida pela Comissão de Viação da Alesc e que foi presidida pela deputada do PT Luciane Carminatti.

O objeto da Audiência foi o Anel Viário, obra atrasada, iniciada em 2008, e que, por problemas de interrupção com desapropriações e recursos, se estende até hoje com previsão de término até o próximo ano. Consiste em uma via a oeste da BR-101, de 50 quilômetros, incluindo a construção de quatro pontes, sete passagens em desnível, um trevo completo e quatro túneis, sendo que já o trevo da BR-101 norte e os pontos de parada e descanso ainda não têm nenhuma etapa finalizada.

O que mais me chamou a atenção na audiência? É que o discurso da urgência de integração metropolitana dos projetos e obras vem dos mesmos que têm contribuído para a sua desintegração, agindo de forma isolada nos municípios, incluindo a capital. Alguns exemplos:

1 – Transporte coletivo da ilha sem conexão adequada com o continente. A prefeitura de Florianópolis até hoje não tem um plano de mobilidade urbana e deveria, como capital, ser o agente articulador de um projeto metropolitano de mobilidade urbana, sendo que não  controla adequadamente nem o seu sistema de transporte coletivo, sob o comando do Consórcio Fênix;

2 – Fraudes nas licitações da restauração da Ponte Hercílio Luz, ainda com inquérito aberto no Ministério Público, sendo que os valores podiam ter sido aplicados em obras estruturantes do sistema viário metropolitano;

3 – Gastos em projetos imediatistas que são inviáveis, como o sistema VLT (veículo leve sobre trilhos), proposto pelo então governador Luiz Henrique da Silveira quando da realização da Copa do Mundo no Brasil, sem previsão de nenhuma integração inter e intraurbana do sistema de transporte coletivo e veicular;

4 – Instalação do novo aeroporto internacional no sul da Ilha, constituindo um grande polo gerador de tráfego, de população e pressão imobiliária, sendo que deveria ser localizado no epicentro da região metropolitana continental, próximo à região de Tijucas, como ocorre nas grandes regiões metropolitanas do país;

5 – Concentração de investimentos na ilha, com proposta de revisão de plano diretor que adensa o solo urbano e piora ainda mais a mobilidade urbana municipal.

A conclusão da audiência foi que é urgente a criação de um fórum de debate e reunião de todos os projetos municipais e regionais de mobilidade urbana, assim como os planos diretores, para que se estude uma forma de integrá-los. Esta proposta foi reforçada por alguns prefeitos, parlamentares e instituições presentes, como pela ex-senadora Ideli Salvatti, que coordena uma comissão de verificação do Anel Viário com deputados estaduais do Partido dos Trabalhadores, a qual destacou que os grandes problemas urbanos da área conurbada da Grande Florianópolis, como o abastecimento de água e o descarte de resíduos sólidos, são interdependentes. Ficou evidente que esse encaminhamento tem atraso de pelo menos 15 anos, considerando que um fórum dessa natureza deveria ter sido à época criado com um plano diretor de mobilidade metropolitana, orientado pelos princípios do Estatuto da Metrópole. Cabe observar que o fórum proposto não pode ser constituído somente por instituições governamentais,  empresariais e institucionais, como normalmente acontece, mas também por entidades de representação social e civil, nos moldes do Fórum da Cidade de Florianópolis, sob o princípio da gestão democrática do território.

É nesse cenário que as propostas e discursos a favor de uma integração metropolitana aparecem como retórica, como bem destacou o presidente do Partido dos Trabalhadores de São José, Ary Martins, que destacou que não há vontade política para essa iniciativa. Digo que os mesmos que propõem tal integração são os que contribuem para a sua não viabilização.  Em resumo, em vez de melhorar o sistema, pioram os problemas, mas continuam usando nos discursos públicos e na mídia a retórica da integração metropolitana, que acaba sendo apropriado sem ações concretas.

Também é preciso retomar estudos e diretrizes do PLAMUS (Plano de Mobilidade Urbana Sustentável da Grande Florianópolis) e repensar a SUDERF (Superintendência de Desenvolvimento da Região Metropolitana da Grande Florianópolis), que sofreram problemas de continuidade.

É fundamental reavaliar o modelo de projeto das grandes rodovias no país que ainda  têm como referência de desenho e obra o modelo centralista e verticalizado adotado no regime civil-militar, de se impor projetos de vias sem estudar as territorialidades locais ou suas horizontalidades. Já há várias iniciativas nesse sentido como, por exemplo, o viaduto que passa sobre arrozal em Laguna e o que respeita o traçado urbano de Tijucas, que se estende até o mar. No entanto, ainda persiste o modelo centralizado, que ignora os traçados urbanos locais, como foi com o loteamento em São Cristóvão, na Palhoça, com o traçado do Anel Viário.

Tendo-se o Estatuto da Metrópole como referência, cabe implementar um Plano Diretor Metropolitano e, para tanto, sendo necessário um plano diretor ao longo do Anel Viário, que está atrasado e deveria ter sido concebido há mais de 10 anos e, simultaneamente, um plano diretor da BR-101, pós-Anel Viário, integrado aos planos diretores dos munícipios da Região Metropolitana. Deve-se também acompanhar um processo de valorização do corpo técnico do estado integrado com as universidades. Em suma, “integração metropolitana” sim, mas na prática!

Participaram a co-autora da Audiência, vereadora Carla Ayres (PT de Florianópolis), ex-senadora Ideli Salvatti, o secretário de Infraestrutura e Mobilidade do Estado, prefeitos de São José, Palhoça e secretário de Mobilidade Urbana de Florianópolis, CONDES (Conselho Metropolitano para o Desenvolvimento da Grande Florianópolis), entidades empresariais e moradores das comunidades de Aririú e São Cristóvão, de Palhoça, que estão sofrendo os impactos da obra do Anel Viário. Estiveram presentes algumas entidades, entre elas o GEMURB (Grupo de Estudos da Mobilidade Urbana do ARQ/CTC/UFSC), do qual sou coordenador.

 


Receba nosso Boletim EletrônicoReceba nosso Boletim Eletrônico: