Mais um Golpe de Gean Loureiro em pleno verão da “Ilha da Magia”

Análises 05/01/2022

Em meio ao agravamento da pandemia, prefeito convoca 15 Audiências Públicas para janeiro para mudar o plano diretor

Lino Fernando Bragança Peres

A gestão Gean Loureiro encerrou 2021 e inicia 2022 tentando acobertar a farsa da participação popular em relação à Minuta 2 de Projeto de Lei Complementar de “Revisão e Adequação do Plano Diretor”, exposta na página da prefeitura desde 1º de dezembro passado, em Consulta Pública. A farsa é usar o discurso da “inclusão social” e da “sustentabilidade” para ocultar os reais interesses econômicos e empresariais por trás da proposta. Nesta terça-feira (4), Gean anunciou o cancelamento do Carnaval em função da grave situação na capital, com casos crescentes de Covid-19 e Influenza, mas não deu um pio sobre se manterá ou não as 15 Audiências Públicas sobre o plano diretor marcadas para janeiro, uma delas nesta quinta-feira (6).

A Minuta 2, apresentada em dezembro passado, não foi encaminhada ao Conselho da Cidade, como ocorreu no caso da Minuta anterior, a 1, que foi discutida naquela instância no primeiro semestre de 2021, mas com grande atropelo e protesto de parte dos Conselheiros.

A Minuta 1 surgiu depois que Gean perdeu, por um voto,  a votação do projeto que mexia na atual lei do plano diretor (482/2014), em janeiro passado, na Câmara Municipal. Mas, na ocasião daquele Pacotaço com vários projetos, ele conseguiu, por exemplo, aprovar a venda de 51 imóveis do município, que totalizam 39 mil metros quadrados, localizados principalmente  no norte da Ilha, próximos às valorizadas praias, com terrenos estimados pela prefeitura em R$ 5 milhões. 

ATROPELOS E DISCURSOS VAZIOS

Os ritos para aprovar a atual Minuta 2 atropelam os processos participativos respaldados em legislação federal, estadual e municipal. O teatro armado para fazer de conta que ouve a população começou em 17 de dezembro, com uma Audiência Pública na Assembleia Legislativa. A desorganização foi tanta que a maioria dos inscritos não conseguiu falar. Foi anunciada uma segunda, marcada para, pasmem, dia 27 de dezembro, cancelada por liminar concedida pela juiza Taynara Goessel em ação proposta pelo PSOL. Mas ainda estão marcadas 15 Audiências Públicas para este mês de janeiro, uma delas amanhã (6/1). Os movimentos populares estão se mobilizando para suspender essa Audiência.

Na atual Minuta 2, a prefeitura reforça o discurso da “inclusão social”, aparentando estar preocupada com a “maioria” da população e com a habitação de interesse social (HIS). Mas, na realidade, incentiva índices de construção sem regramento claro, como “contrapartida” aos empreendedores, sendo que a atual administração municipal construiu em cinco anos apenas três casas e desmontou a Secretaria de Habitação. Sobre os incentivos para a habitação de interesse social, concede-se aumento no número de pavimentos em edificações destinadas à população de baixa renda, mas não se definem quais os limites desta concessão e as condições para a tornar concreta. Aqui reside o “equívoco”: acreditar que a iniciativa privada irá bancar os recursos de habitação, quando, no máximo, ela complementaria a política habitacional,

O fato é que Gean destinou ínfimos recursos para habitação e ignorou as recomendações da Conferência da Habitação de Interesse Social, realizada em setembro de 2019. Ali se definiu a necessidade de 2% do Orçamento Municipal, em torno de 50 milhões, a serem escalonados no período da gestão municipal vigente. Além disso, uma política habitacional dessa monta se alimentaria também de recursos federais, hoje paralisados desde o fim do programa Minha Casa Minha Vida, e estaduais, mas o governador Moisés destinou pífios recursos para apenas mil unidades habitacionais em todo o estado, sendo que a Grande Florianópolis não foi contemplada com recursos.

A prefeitura chama à responsabilidade o setor da construção, mas isso não será de graça, e sim com base em incentivos. Sobre eles, a Minuta 2 é vaga, permitindo boa margem de manobra na implementação da medida.

Melhor seria apostar, por exemplo, em medidas como o IPTU progressivo no tempo e regulamentar efetivamente as chamadas Operações Urbanas Consorciadas (OUC). Sobre os incentivos à habitação de interesse social (HIS), faltou responder como exatamente a prefeitura irá regulamentar a localização de habitações em áreas centrais, que é o desejo expresso em um dos 10 princípios da Minuta 2, em termos de equipamentos complementares, como escolas, postos de saúde, serviços básicos com preços acessíveis, etc. Outra pergunta: como controlar os preços em nível social nas áreas de alta valorização imobiliária, sendo que a tendência é de tornarem-se preços de mercado, o que leva ao conhecido processo de gentrificação? Como garantir o controle público e social dessa medida de “inclusão social” exatamente em uma administração que é das mais pouco transparentes do país? Os 10 princípios da Minuta 2 são aparentemente até interessantes, mas estão propostos em bases imprecisas e em interesses que negam essa intenção e não gozam de legitimidade. Ou seja, são meros discursos ou retórica. Há de fato uma crise de confiança em uma gestão que, além de negar direitos, os ataca, guardando semelhanças com o governo Bolsonaro.  

ATAQUES ÀS CRÍTICAS

Gean e seus apoiadores acusam os críticos de não quererem progresso, mas omitem o fato de que as inseguranças jurídicas do atual plano diretor não foram causados pelos chamados “contras”. As mais de 600 emendas na atual lei do plano diretor, aprovada de forma violenta e vil em 2014, foram incluídas por muitos dos que hoje reclamam da insegurança jurídica que eles próprios causaram. Tivemos a oportunidade histórica de pactuar a proposta de plano diretor em uma Conferência Municipal no segundo semestre de 2017, quando mais da metade das revisões estavam consensuadas por todos os setores da sociedade. Mas Gean ganhou no STJ a suspensão daquele processo, judicializando no tapetão, instalando no ano seguinte o Conselho da Cidade com critérios polêmicos e insuficientemente discutidos. Naquela época, a grande maioria concordava que havia incongruências da Lei 482/2014 e queria corrigi-las. Depois, e com aquela suspensão dos debates e da Conferência Municipal, a prefeitura, com Cesar Souza Júnior e Gean Loureiro, por decretos, avançou em novas irregularidades e aprofundou as tais inseguranças jurídicas. Exemplo: cerca de um milhão de metros quadrados liberados para construção à revelia do plano diretor.

A prefeitura diz que fará “adequação” do plano diretor, meras alterações de redação da Lei 482/2014, mas, de fato, modifica vários artigos e tabelas, sem mostrar mapas detalhados, mudando estrutural e profundamente o uso do solo urbano do município, com, por exemplo, acréscimo expressivo dos gabaritos (andares), além de liberar construções irregulares e clandestinas sem apresentar um plano sério de regularização fundiária, com o chamado REURB (Programação de Reurbanização), sendo implementado de forma fragmentária e sem discussão participativa.  

Na esteira disso, a prefeitura desmonta ou retira atribuições dos órgãos de planejamento como IPUF, SMDU, SEPHAN e FLORAM, deixando grande parte das atribuições na mão do prefeito, o que é mostrado pela extinção de vários artigos de controle e gestão do atual plano diretor.  Essa ação é justificada para “desburocratizar” ou “destravar” as exigências de aprovação de projetos, quando, na verdade, deixa nas mãos do empreendedor a iniciativa de tocar os projetos pelo novo dispositivo chamado “autodeclaração”, que tem sido um instrumento da burguesia ligada ao capital imobiliário no país para “passar a boiada” na área da construção e do agronegócio, como na alteração do Código Florestal, sancionado pela Presidência da República (Ver https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/12/30/sancionada-com-vetos-lei-que-permite-edificacoes-as-margens-de-rios-e-lagos-em-area-urbana). O mesmo instrumento foi aprovado na Assembleia Legislativa para o Código Florestal estadual.

O Grupo Técnico Voluntário do Plano Diretor, que coordeno desde março passado, apontou problemas na Minuta 1, do ano passado, e que se ampliam na atual Minuta 2:

1) Rompe com o limite de dois andares em várias regiões da cidade, como no Campeche, passando a triplicar em diversos casos. A limitação de andares foi uma das grandes conquistas das comunidades mobilizadas no Plano Diretor Participativo e que está na atual lei.

2) Verticaliza – e não necessariamente adensa, como quer fazer crer o discurso técnico da prefeitura, sem previsão de infraestrutura adequada (sistema viário e saneamento, por exemplo) – diversas regiões da cidade, como o centro e a parte continental oeste (mediações das ruas Patrício Caldeira de Andrade e Ivo Silveira e eixos viários do Estreito).

3) Avança sobre Áreas de Preservação Limitada (APL), que são importantes áreas de transição entre as áreas urbanas e as Áreas de Preservação Permanente. Muitas dessas áreas de transição deveriam ser aumentadas, e não diminuídas, porque há tendência do aumento de áreas alagáveis, com a subida das marés e/ou desmatamento e de intempéries.

Somam-se a esses estudos outro cinco artigos postados nas redes sociais que assinalam várias irregularidades da Minuta 2 feitos pelas arquitetas Arlis Buhl Peres, Marisa Fonseca, Silvia Lenzi e Valesca Menezes Marques, e por Beatriz Kauduinski Cardoso, ex-representante do bairro de Coqueiros no ex-Núcleo Gestor Municipal do Plano Diretor Participativo.

São contribuições valiosas que buscaram, apesar do pouco tempo, chamar a atenção para aspectos urbanos e ambientais cruciais que a atual Minuta modifica. Fica evidente a intenção do prefeito de favorecer o capital imobiliário e o conjunto de rentistas, parte deles responsáveis pelo caráter fragmentário e pela insegurança jurídica do atual plano diretor.

A sociedade organizada, através do Fórum da Cidade de Florianópolis, do Tecendo Redes, de diversas entidades comunitárias e de movimentos ambientalistas, assim como setores acadêmicos e os e as vereadoras de oposição na Câmara Municipal (PT e PSOL) estão se mobilizando, através de petições junto ao Ministério Público e Justiça Estadual, para barrarem as Audiências Públicas convocadas para este mês de janeiro, entre elas as 13 Distritais.  

Defendemos a seguinte sequência de atividades, com o devido tempo e apoiada no artigo 4º da Resolução 25 do Concidades: cronograma concertado entre prefeitura, comunidades e MPSC; estudos técnicos a serem apresentados pela prefeitura e complementados por universidades e órgãos de pesquisa; discussões nas comunidades, através de seminários, oficinas e debates; Audiências Públicas Distritais e a Final, devidamente preparadas e convocadas nos bairros, fechando assim o ciclo estabelecido na lei, lembrando que a prefeitura tem até 2024 para rever o plano diretor.

Em face desses aspectos, é uma farsa descarada, oportunista e autoritária a convocação das Audiências Públicas Distritais e a Final em pleno janeiro, na temporada, em período de recesso parlamentar e com grande parte da população de férias em alta temporada, com o agravante de dois vírus e suas variantes (Covid-19 e Influenza) ameaçando a saúde e a vida da população, que tem lotado as UPAs e os hospitais de Florianópolis e região.

 


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